sábado, 3 de março de 2012

2012: 80 ANOS DO VOTO FEMININO

Schuma Schumaher*

A conquista do voto feminino resultou de um processo iniciado antes mesmo da proclamação da República. Embora a Constituição de 1891 vetasse o direito de voto aos analfabetos, mendigos, soldados e religiosos, sem mencionar as mulheres, elas ainda tiveram que lutar por mais de 40 anos para conquistar esse direito.

Dois episódios são ilustrativos das resistências usadas pelas mulheres. O primeiro deles aconteceu em 1885 quando a gaúcha Isabel de Sousa Matos, uma cirurgiã dentista requereu o alistamento eleitoral. Seu pedido estava amparado pela Lei Saraiva que garantia o direito de voto aos portadores de títulos científicos. Isabel conseguiu ganhar a demanda judicial em segunda instância. Com o advento da República e a convocação de eleições para a Assembléia Constituinte, Isabel, que na época estava morando no Rio de Janeiro, procurou a Comissão de Alistamento Eleitoral para fazer valer a sua conquista. Diante do fato inusitado de uma mulher pleitear o direito de se alistar, a comissão solicitou um parecer ao Ministro do Interior que fez uma negativa contundente: julgou absolutamente improcedente a reivindicação.

A luta prosseguiu. E foi também de outra Isabel a segunda tentativa. No caso, da baiana Isabel Dillon, primeira a apresentar-se como candidata a deputada na Constituinte de 1891. Ela argumentou que a Lei Eleitoral de 1890 não excluía as mulheres, uma vez que a mesma assegurava o direito de voto aos maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever, sem referência explícita ao sexo do eleitor. Ela tonou publica sua candidatura e teve como plataforma eleitoral defender a opção religiosa, a ampla liberdade de pensamento e a aprovação de leis que protegessem a criança, a mulher e o operariado nascente. Não conseguiu sequer se alistar para votar.

Após muitas tentativas isoladas, surgem os primeiros grupos organizados de mulheres como o Partido Republicano Feminino, fundado em 1910 por Leolinda Daltro e outras feministas cariocas. Essa estratégia provocou debates, através de manifestações públicas que criticavam a “cidadania incompleta” das mulheres, gerando polêmicas e reações negativas por parte da imprensa. Contudo, foi a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, criada em 1922, e espalhada por diversos Estados brasileiros, a grande responsável pela campanha nacional em favor do voto feminino.

Bertha Lutz, Almerinda Gama, Carmen Portinho, Maria Luisa Bittencourt, Josefina Álvares de Azevedo, Jerônima Mesquita, Chiquinha Gonzaga, Natércia da Silveira e tantas outras feministas sufragistas constataram na prática, com indignação, que o engajamento nas lutas políticas e suas conquistas no campo da educação eram insuficientes para que os poderes constituídos reconhecessem seus direitos enquanto cidadãs. Lideradas por Bertha Lutz iniciaram um campanha aguerrida em várias frentes e cidades, usando a imprensa, as galerias da Câmara Federal, seminários, debates, manifestações artísticas e até panfletagem aérea, para sensibilizar os congressistas e ganhar a simpatia da população para a causa que defendiam. E conseguiram!

Demonstrando grande habilidade política e capacidade de articular alianças, foram aos poucos, conseguindo adesões em vários estados e espaços. É assim que, em 1927, a Lei Eleitoral do Rio Grande do Norte concede o direito de voto às mulheres norte-rio-grandenses, possibilitando que Celina Guimarães Viana e Julia Alves Barbosa se tornassem as primeiras eleitoras do Brasil e Alzira Soriano a primeira prefeita da América Latina, nas eleições de 1928. Um enorme passo!

Alguns anos depois, em 1931, a FBPF promoveu no Rio de Janeiro o II Congresso Internacional Feminista para discutir os rumos do movimento. O discurso de abertura coube a prestigiada escritora Júlia Lopes de Almeida. As conclusões do Congresso foram encaminhadas ao Presidente Vargas que se comprometeu a empenhar-se pela concessão do voto feminino.

Apesar de Bertha Lutz fazer parte da Comissão encarregada de elaborar o novo Código Eleitoral Brasileiro (1932) teve que enfrentar muitas polêmicas entre os integrantes do grupo, pois os mesmos tinham posições divididas sobre o direito de voto às mulheres. Finalmente, depois de muita pressão, em fevereiro de 1932, o presidente Getúlio Vargas, assina o Decreto nº 21.076, concedendo as mulheres o direito de votar e serem votadas. Finalmente Vitória!

Com a criação do Código Eleitoral de 1932 a atenção das filiadas da FEBP voltou-se para enfrentar outro desafio: promover a candidatura das feministas para a Assembléia Nacional Constituinte de 1933. Entre os 254 votantes, contabilizando os eleitos e os representantes classistas, duas vozes eram femininas: Carlota Pereira de Queiroz, médica eleita por São Paulo e a primeira deputada federal do Brasil; e a advogada alagoana Almerinda Farias Gama, uma das primeiras mulheres negras na política brasileira, na época representando o Sindicato das Datilógrafas e Taquigrafas do Distrito Federal, por intermédio de uma estratégia bem sucedida da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF).

Nas eleições gerais de 1934, a FBPF retornou ao cenário político patrocinando uma acirrada campanha nacional para a eleição de mulheres. As propostas das feministas foram resumidas num documento composto por treze princípios, com questões referentes à maternidade, melhores salários e licença-remunerada, até a discussão do acesso aos cargos públicos.

Pelo Brasil nove mulheres foram eleitas deputadas estaduais: Quintina Ribeiro (Sergipe); Lili Lages (Alagoas); Maria do Céu Fernandes (Rio Grande do Norte); Maria Luisa Bittencourt (Bahia); Maria Teresa Nogueira e Maria Teresa Camargo (São Paulo); Rosa Castro e Zuleide Bogéa (Maranhão) e Antonieta de Barros por Santa Catarina, destacando-se, ainda, como a primeira deputada negra do Brasil.

Infelizmente este período de exercício da democracia representativa durou pouco. Com o Golpe de Estado, em 1937, Getúlio passou a comandar o país usando a batuta de um regime autoritário. Os parlamentos foram fechados e as ações dos movimentos sociais, inclusive os das mulheres, foram suprimidas.

Nos anos de redemocratização pós 1945, um novo cenário político brasileiro vai se configurando e, diante da conquista do voto para as mulheres, a FBPF vai perdendo seu potencial mobilizador. Nesse período novas organizações de mulheres vão surgir, e na maioria dos casos ligadas aos partidos políticos. Com o golpe de 1964, mais uma vez os movimentos sociais são alvos de perseguição e repressão.

Com a decretação, pela ONU, em 1975, do Ano Internacional da Mulher e a retomada do regime democrático o feminismo ressurge forte e organizado. Contudo, apesar da diversidade e do aumento da participação política das mulheres na sociedade civil, inseridas nos mais diversos campos dos movimentos sociais – direitos das mulheres, combate ao racismo, etnocentrismo, defesa dos direitos reprodutivos, direitos sexuais e dos direitos humanos, ecológico, popular, comunitário e sindical – a sub-representação feminina nas estruturas formais da política permanece, ainda, um dos principais desafios a ser enfrentados pelos países democráticos.

Em âmbito mundial as mulheres representam somente 12% dos assentos parlamentares e ocupam 11% dos cargos de presidência dos partidos políticos. De acordo com cálculos das Nações Unidas, mantido o ritmo atual de crescimento da participação feminina em cargos de representação, o mundo levará 400 anos para chegar a um patamar de equilíbrio de gênero. O Brasil integra o grupo de 60 países com o pior desempenho no que se relaciona à presença de mulheres no parlamento – pouco mais de 10% nos espaços Legislativos. Pois é!

A partir de 1995 com a aprovação da política de cotas que instituiu as normas para a realização das eleições municipais do ano seguinte, determinou-se uma cota mínima de 20% para as candidaturas de mulheres. Dois anos depois a Lei nº. 9504/97 estende a medida para os demais cargos eleitos por voto proporcional - Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas Estaduais e Câmara Distrital - e altera o texto do artigo, assegurando não mais uma cota mínima para as mulheres, mas uma cota mínima de 30% e uma cota máxima de 70%, para qualquer um dos sexos.

Embora a adoção da política de cotas tenha estimulado o movimento de mulheres a organizar atividades destinadas a melhor preparação das candidatas - motivando lideranças feministas a se candidatarem e discutindo plataformas que priorizem as particularidades das mulheres - infelizmente, ainda são insuficientes as mudanças substantivas no cenário político brasileiro.

Por tudo isso, não podemos esquecer das brasileiras do passado, consideradas transgressoras dos costumes sociais e canônicos, que com suas atitudes ousadas e de vanguarda, deram início a uma série ininterrupta de conquistas femininas, resultando há 166 anos atrás no acesso à educação formal, há 80 anos no direito ao voto, há 26 anos na igualdade plena na Constituição Brasileira e há um ano, nas eleições de 2010, concretizaram a presença de uma mulher na Presidência da República.

Nos últimos 80 anos o mundo assistiu a grande mudança na condição das mulheres. De coadjuvantes da história, passaram a protagonizar seus destinos e desejos. Mesmo assim, ainda vivemos numa sociedade dividida em classes sociais, estruturada nas desigualdades de gênero e raça, e assentada em uma cultura política carregada de discriminações e preconceitos. Neste contexto, compreendemos que a justa representação das mulheres na política ainda depende de muita luta e de um sistema político que assegure a participação democrática de todas e todos.

Schuma Schumaher é feminista, educadora social, co-autora do Dicionário Mulheres do Brasil e Mulheres Negras do Brasil e Coordenadora executiva da Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh).

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