domingo, 10 de maio de 2020

Precisamos falar sobre maternidade compulsória

Por Paula Vielmo

Precisamos falar sobre maternidade compulsória - Bem Blogado

Neste dia das mães quero lhes presentear com uma breve reflexão sobre maternidade compulsória. 

Pensar a maternidade como compulsória, ou seja, como algo obrigatório é uma reflexão pertinente mais ainda em nossos tempos, porque já há muita produção e luta envolvendo a questão, bem como a maternidade tem gerado sofrimento em muitas mulheres por ser obrigatória. Aqui não sou contrária a maternidade, mas objetivo refletir criticamente sobre a escolha de ter ou não filhas/os, bem como a garantia dessa escolha, independente de qual seja. Ainda, a necessidade permanente de desromantizar a maternidade enquanto inata, instintiva, necessária e, percebê-la como uma construção social, como quase tudo em nossa sociedade.

Começo afirmando que falo do lugar de quem não é nem deseja ser mãe, o que não me impede de pensar sobre. Em seguida, afirmo que as mulheres que desejam ser mães, devem ter essa escolha garantida com dignidade, o que não ocorre em nossos tempos. A maternidade é uma invenção. Mas nem sempre foi assim. A maternidade como a conhecemos em nossos dias foi rabiscada no século XIX, não por coincidência, quando o modo de produção capitalista se consolida, naturalizando a produção de filhas/os, que são produtos das mulheres. 

É indiscutível que temos aparelho reprodutor, mas não significa que tenhamos que parir. Comassim? É isso mesmo, simples desse jeito. Se te provocou espanto, pare e pense sobre isso. Não pensar sobre tudo o que está dado é um grande problema, porque as coisas parecem naturais quando elas não são, estão sendo. Naturalizar que precisa reproduzir e que "ser mãe" é aceitar todo tipo de situação é conveniente.

Desejar não ter filhas/os é transformado em um problema porque somos nós, as mulheres, que reproduzimos a força de trabalho, somos nós que reproduzimos as pessoas para trabalharem. O modo de produção capitalista percebe as mulheres como reprodutoras de força de trabalho, por isso, parir na sociedade capitalista precisa ser algo compulsório. Pensar sobre significa dar uma alfinetada no sistema rs

No entanto, desejar ter filhas/os não garante dignidade no processo, seja pela sobrecarga de atividades, seja pelas condições precárias do sistema de saúde, seja pela elevada violência obstétrica, pelo desemprego, pela ausência plena de direitos. O sistema capitalista quer mão de obra aos montes, mas não garante que as mulheres sejam bem tratadas para isso, ele faz com que todos esses maus tratos sejam considerados "normais".

Converse com mulheres que gestaram e pariram e isso poderá ficar estampado na sua cara, mas é mais comum que quase ninguém repare, porque parece "que sempre foi assim". Essa ideia atrapalha bastante, porque parece que não tem jeito e que o amor incondicional necessita passar por todas as dificuldades, porque "ser mãe" significa renunciar à sua vida em função da vida da/o filha/o.

Mãe nem é considerada uma pessoa, ela é quase algo sobrenatural. Assim é o desenho, mas isso só prejudica as mulheres que querem ter filhas/os. Na maternidade, as mulheres gestantes não tem nomes, elas são chamadas de "mãe"; nas escolas, essas mulheres nem tem nome, elas são chamadas de mãe. A mãe anula a identidade de ser mulher. Há quem ao se apresentar mal diz o nome e já alega no conjunto de características, "ser mãe". Ser mãe é algo divino e construído socialmente, exemplo maior é como as meninas são adaptadas desde cedo com essa função por meio de bonecas que simulam bebês e outros aparatos. Ninguém nasce gostando de rosa e de boneca, somos ensinadas, condicionadas à isso.

É preciso garantir, como já afirmei, que as mulheres que desejem ter filhas/os possam fazê-los de modo decente, porque as condições estão bem indecentes. Além de ser violentada no processo de gestar e parir, essas mulheres passam por insegurança para garantir alimentação, moradia, educação, saúde, lazer, cultura para as/os filhas/os. Também, pela própria sobrevivência destas/es, sobretudo quando são mães negras periféricas, tamanho o genocídio das/os filhas/os negros. Estive em um enterro de um jovem e a mulher-mãe estava numa situação tão dolorosa que é impossível descrever aquela situação, foi profundamente marcante. A maternidade é idealizada, porque a vida real é dura viu!

Para aquelas mulheres que não desejam ter filhos/as, a pressão social é imensa, desde a afirmação de que seria incompleta até que seria mal amada. Ora, a quem interessa pintar essas mulheres de tal forma?

O aborto como proibição legal passa pela maternidade compulsória, pois a mulher que interrompe uma gestação rompe com a construção social de maternidade, ela não se sente obrigada a ter filhas/os, mesmo que já tenha. A Pesquisa Nacional de Aborto (2010 e 2016) aponta que a maior parte das mulheres que abortam no país já tem filhas/os.

Para superar a maternidade compulsória, precisamos pensar e falar sobre isso. Problematizar, como nos ensinou Paulo Freire. Por fim, indico três leituras que podem contribuir com essas reflexões e me influenciaram na elaboração deste texto:


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Um comentário:

  1. Texto merece ser compartilhado, eu em toda minha existência jamais pensei na maternidade dessa maneira!!!!

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