Por Paula Vielmo
Pedagoga e militante feminista/psolista
No sábado, 24/10 quando soube que uma das questões do ENEM abordou sobre feminismo, através de uma citação da clássica filosofa e referência feminista, Simone de Beauvoir, sim, fiquei animada. No domingo, 25/10 quando soube o tema da redação do ENEM, sim, meus olhos lacrimejaram. Sem qualquer ilusão sobre o que representa o ENEM, é inegável a relevância do debate levantado e preocupante o emaranhado de pronunciamentos descriminatórios.
Minha avaliação sobre o ENEM é que trata-se de uma prova em que o conteúdo não foi trabalhado em sala. Parte de uma perspectiva de visão de mundo, conhecimentos gerais, raciocínio lógico, quando a nossa Educação Brasileira ainda é estritamente conteudista. A proposta é interessante, mas avançada para a nossa realidade, sem sombras de dúvidas, o que acaba por poder ser um problema.
O lado positivo: quase oito milhões de pessoas, a maioria jovens, pensando sobre temas da atualidade ou se enraivecendo porque não têm a menor ideia do que as questões abordam e pode servir como uma referência de reformulações curriculares menos conteudistas. O lado negativo: por não representar o nosso modelo educacional, acaba sendo excludente, haja vista que o "capital cultural" exigido pelo ENEM não é oferecido na maioria das escolas públicas do país.
Sobre o tema da redação "A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira", inegavelmente para mim, mulher militante, feminista e usuária de "lentes de gênero", assim como para dezenas e centenas de pessoas que se manifestaram publicamente, nas rodas de conversas, pelas redes sociais, foi um avanço. Trazer o debate sobre a violência contra a mulher para a pauta central da principal porta de acesso à Universidade Pública no Brasil é dar visibilidade a um tema caro para nós mulheres, mas de profundo pesar pela persistente gravidade que se mantém.
Diante de diversas declarações que consideraram o tema sem importância, "mimimi", coisa de esquerda, de feminista, minha preocupação veio como educadora militante quando li e vi declarações vindo de nossa juventude, alguns desses jovens conhecidos. Preocupação porque o sistema patriarcal, de dominação masculina e opressão feminina não é visto, e é considerado, obviamente dentro desse contexto, uma bobagem! Ora, o Brasil estar no ranking mundial como o 7º país que mais violenta e mata mulheres, é algo banal? Desconsiderar os dados de órgãos internacionais é ignorância assumida, mas pensar que estes dados devem realmente ser bem piores do que se registra, requer o uso das "lentes de gênero".
GÊNERO! Ah, essa palavrinha de seis letras que foi VETADA do Plano Nacional de Educação - PNE (Lei Nº 13.005/2014) por ser considerada uma ameaça à família tradicional, caiu na prova seletiva mais importante do país! No entanto, mais do que isso, tais declarações nos mostram que a retirada da explicitação do debate sobre as questões de gênero do PNE representam uma problemática educacional a ser encarada, mediante as justificadas que foram contrárias ao tema da redação, ou seja, a escola não consegue combater efetivamente as discriminações, e negar este debate em seu seio significa produzir e reproduzir desigualdades.
Creio ser de conhecimento geral que houveram, também, dezenas e centenas de manifestações de ódio contra o tema da redação. Mais do que isso, a tentativa de desqualificação através de adjetivações de que o exame seria marxista e de esquerda. Lamentável que discutir e garantir dignidade à vida humana, seja uma pauta vista exclusivamente como de esquerda e marxista. Apesar de eu me incluir nestes dois campos, lamento realmente que não seja encarada e pautada como um problema coletivo, que precisa ser superado para muito além dos 9 anos da "Lei Maria da Penha" (Lei Nº 11.340/2006).
Negar a violência contra as mulheres, não pensar sobre as raízes profundas de sua persistência, é somar-se ao coro dos opressores e opressoras e mais do que isso, naturalizar os milhares de cadáveres de mulheres, fruto dessas violência, mas bem antes disso, as violências cotidianas que passam despercebidas e que precisam ser desveladas e combatidas. Sem dúvidas, o ENEM contribuir para reflexão em alguma medida.
Eu Sinceramente não me espanto com as várias manifestações distorcidas sobre a temática da redação e sobre a questão que envolvia Simone Beauvoir. Estamos em um momento em que a "ignorância" é planeja e executada com sucesso, seja por meio da educação ou por outros meios "religiosos".
ResponderExcluirSobre o nível do ENEM, é notório que o problema não é o nivel da prova, e sim o fracasso da educação em formar pessoas com conhecimento, informação e senso crítico. As aberrações que eu tenho visto sobre a citação da Filosofa são pavorosas, as pessoas não conseguem interpretar uma frase.
O interessante é como as pessoas deturpam aquilo que lêem e ouvem e mais adiante como nossa sociedade e profissionais da educação vivem à margem do assuntos que fazem parte do dia a dia da Escola, como lidam com as questões de gênero na educação. Como psicóloga tenho me deparado com o despreparo e com situações que têm levado adolescentes a tendências de automotilacao porque não conseguem ser aceitas/os em sua realidade escolar. É isso que queremos para nossas/os filhas/os e alunas/os? Eu particularmente não! Quero uma educação e uma sociedade mais justa e igualitária, quero um mundo em que todas/os sejam aceitas/os e respeitadas/os em suas diferenças, inclusive independente de suas orientações sexuais. "Somos todos iguais, braços dados ou não" ... Sempre na resistência. Um viva ao tema da redação do ENEM. Fantástico!!!!
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