sábado, 13 de fevereiro de 2010

Estágio Interdisciplinar de Vivência e Intervenção em Áreas de Reforma Agrária


O tempo passou tão depressa que não tenho lembrança desde quando tenho vontade de participar de um Estágio Interdisciplinar de Vivência, mas sei que fazia muito tempo.

Partir para o EIVI, foi antes de qualquer coisa a realização de um sonho, um conjunto de expectativas em torno da organização e funcionamento do MST e o desafio de desligar-me das/oas companheiras/os de luta e ir sozinha para um espaço desconhecido, com pessoas também desconhecidas.


CAPACITAÇÃO

Partimos (73 pessoas) de Salvador em direção a Santo Amaro da Purificação no dia 09 de janeiro de 2010 em direção à Escola Municipal Edvaldo Machado Boaventura onde houve a capacitação para o estágio.

No período de 04 dias durante a capacitação, muitas novidades: a divisão em brigadas, para que todas/os trabalhassem e em todas as funções (alimentação / limpeza / mobilização, disciplina e mística); a metodologia envolvente, lúdica, dinâmica; monitoras/es preparadas/os, atentas/os e dedicadas/os; muita música; muita mística; imensa criatividade, organização comprometida e a maravilha de tantas áreas do conhecimento juntas, complementando-se em prol de uma mesma causa. Estudamos sobre a questão agrária, como funciona a sociedade e como superar o capitalismo, educação popular e a organização do MST (esta última o grupo em que fiquei não estudou por conta do tempo). Foi tão maravilhoso, que ficaria imenso demais relatar por aqui detalhadamente.

Não posso deixar de citar a diversidade de pessoas incríveis, inteligentes, estudiosas e militantes que estavam por lá, as quais tive grande prazer em conhecer e conviver por alguns dias, mesmo estando num momento de introspecção e sendo por lá irreconhecivermente a Paula que as pessoas por aqui conhecem: comunicativa, articuladora...

À esquerda: "Eu e Hugo" (ógue, óógue, me coloca no seu blog) e em seguida, "Dêvid, eu e Aline"

Destaco na capacitação as intervenções organizadas pelas feministas, como cartazes, mística e pintura de camisetas. "São flores, são armas, mulheres em ação, unidas na luta pela revolução". Outro destaque foi o super animado e cheio de POSITIVIDADES, Hugo, figura indescritível


VIVÊNCIA NO ASSENTAMENTO

A vivência no assentamento foi um marco, sem dúvidas. O assentamento em que fiquei tem pouco mais de três anos desde a ocupação. A terra é muito ruim e por conta disso o fazendeiro facilitou o processo de desapropriação - por interesses próprios; vivem no local 40 famílias, mas que ainda não tem condições de viver apenas da terra e a maioria, principalmente dos homens, fazem "bicos" na cidade. No assentamento tem uma associação, cuja sede fica onde era a casa da fazenda. Neste local também funciona a escola para os adultos, alfabetizados pela jovem Professora Gil. Não tem energia elétrica nem água encanada. Infelizmente ainda não produzem em áreas coletivas nem se organizam conforme determina a cartilha do MST e isso, porque é necessário um processo de reeducação das práticas e ideologias por parte dos/as assentados/as. As pessoas que ocupam terras através do MST são pessoas comuns, cuja ideologia capitalista está em seu meio, mas sofre com o que ele (capitalismo) provoca. Sabem da necessidade de se organizar coletivamente e estão caminhando para isso.

A casa que me adotou tinha 5 pessoas (mãe, padrasto, dois meninos e uma menina), comigo éramos seis. Era uma casa pequena, de adoubo, com plantação de aipim, banana, tomate...e algumas galinhas. Tinha também uma cachorra chamada Serena, cuja história de sofrimento é tão cruel quanto a das pessoas que viviam por lá, de abandono e maus tratos.

A rotina durante as férias conforme soube foi alterada: dormiamos um pouco mais tarde (+/- 11 horas) e levantávamos também mais tarde (+/- 6h30). O lema posto pela matriarca era: trabalhar pela manhã e descansar/ brincar/ se divertir a tarde. Assim, de manhã os homens mais velhos buscavam "água para gasto", ou seja, para uso no que fosse preciso (do rio) e para beber (da fonte) e as mulheres e menino mais novo limpavam a casa, lavavam a louça, alimentavam os animais e a mãe cozinhava, auxiliada pelas filhas. A divisão do trabalho pelo gênero é muito presente na comunidade e também na casa onde fiquei, devido aos papéis sociais definidos para homens e mulheres.

No almoço, a mãe servia os pratos de todos da casa, dividindo o alimento cuidadosamente preparado. Não havia variedade de cardápio, mas o bom e presente alimento que sustenta: arroz, feijão, farinha e carne de sertão, e as vezes macarrão e salada. Sempre tinha café preto, para tomar no café, almoço, à tarde. Quero destacar a divisão de tudo que entrava na casa. Pouco ou muito, era dividido igualmente entre todos os/as moradores/as.

Na vivência com a família tive muita, mas muita sorte. A minha família Sem Terra foi maravilhosa! Receberam-me com carinho e após o primeiro dia já me sentia totalmente à vontade e estava enturmada. Conquistar o irmão de 16 anos foi mais difícil, mas nada que uma atenção aos jogos não resolvesse. Jogos, aliás, estavam muito presentes: dama, trilha (que ensinei-os a jogar), dominó. Eram excelentes em raciocínio e as jogadas eram altamente pensadas, principalmente por parte do padrasto, homem inteligente e paciente. Os banhos de rio também eram constantes, inclusive minhas costas ficaram vermelha de tanto abusar nos primeiros dias. A mãe educa as crianças com diálogo e limites, o que resulta na boa educação que presenciei.

No segundo dia houve a troca do telhado de metade da casa (que era coberto por lona) , momento esperado pela família e que tive a honra de participar. No terceiro dia de vivência chegou "tia Luzia" (irmã da mãe do assentamento) com os três filhos e dois sobrinhos, o que fez com que ficassemos em 12 pessoas na casa, o que tornou a casa e a rotina bem mais agitada, porém divertida. A crinçada era ótima e muito animada!

Pedrinhas

Ainda com a família que me adotou, fizemos um passeio ao assentamento vizinho onde mora o companheiro da "minha mãe" (do assentamento). Nas Pedrinhas, assentamento de 12 anos, as coisas são mais avançadas: energia elétrica, plantações e criação de gado, casa de bloco/ tijolo. Ao chegar lá, correria das crianças até o que não dispunhamos no assentamento Santa Maria: água gelada por parte das da cidade e televisão por parte das do campo. Após o almoço fomos até a lagoa do assentamento e na bica. Muitas paisagens bonitas. Retornamos tarde da noite, após a novela, caminhando na escuridão por 01 hora. A sensação de caminhar no escuro é muito ruim, pois não tem-se segurança de onde pisar, já que a única iluminação era da lua e das estrelas. Nesse dia, devido a programação da família, perdi a programação no assentamento: oficina com as crianças (que eu iria coordenar com outros dois camaradas) e com os adultos. Fiquei triste por não ter participado da oficina com as crianças, pois criei grande expectativa em torno dessa atividade.

Dentre as ações coletivas, fizemos a limpeza da fonte que estava com limo e organizamos um mutirão para trocar o telhado da associação/ escola, cujas madeiras estavam parcialmente podres e representavam um risco para a comunidade. Nesse mutirão para a troca do telhado, houve pouco envolvimento por parte de toda a comunidade, porém muito envolvimento por parte da maioria dos homens da comunidade que estavam no dia do mutirão, o que fez com que o trabalho rendesse os bons frutos de um telhado novo e seguro, com o apoio constante do nosso trabalho fazendo o que podíamos.

Reforma do telhado da associação/ escola

Antes do mutirão, fomos no mato buscar algumas madeiras para a reforma, o que necessitou de levantar cedo e percorrer um longo caminho, com pequenas ladeiras na subida e descida. Foi uma caminhada cansativa, e após termos 16 madeiras para serem carregadas na volta, por 12 pessoas, um retorno de sofrimento. Pensei que não iria aguentar e aos poucos as dores físicas foram aumentando e eu me distanciando do grupo. E de repente, estava perdida no meio do mato! Segui adiante e achei um caminho, mas estava furiosa com o fato de ter sido deixada pelas demais pessoas, e nesse momento, veio-me a mente os/as compas queridos/as que jamais deixariam qualquer companheiro/a para trás.

Entre as atividades realizadas, muitas fogueiras nutridas com conversas e brincadeiras, inclusive uma intitulada "noite cultural", com direito a algumas delícias. E também uma oficina com a juventude do assentamento que explicitou o grande potencial que há por lá. Em meio a tantos acontecimentos, a turbulência vivida por outros/as companheiros/as e socializadas com o grupo de estagiários/as. Sofrimento só absolvido agora, depois de algum tempo após a vivência. Ao retornarmos da vivência, depois de nove dias, a despedida foi dolorosa. O sentimento era de carinho por pessoas que provavelmente não verei mais, por causa da grande distância.


AVALIAÇÃO

Quando retornamos da vivência, para a Escola em Santo Amaro, socializamos ludicamente e resumidamente como foi em cada assentamento, resultando em uma vasta criatividade e muitas emoções. Mas eu ainda estava resistente e indignada por não ter estado num assentamento minimamente organizado.

Nesse retorno para avaliação, houve também a apresentação dos projetos permanentes desenvolvidos nos assentamentos ou para serem desenvolvidos. Escolhi o grupo que discutiu sobre Educação Popular com a Professora Nair Casagrande, que ministra uma disciplina optativa com essa temática e contribui com o trabalho desenvolvido pelo NEPPA (Núcleo de Estudos em Práticas e Políticas Agrárias).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A luta pela reforma agrária é visivelmente necessária para um país justo, pois é inadmissível que a concentração de terras aumente ano após ano no Brasil e que o modelo de reforma agrária seja de minifundios ao invés de perceber e garantir a terra como um bem social que deve ser socializada e produzida coletivamente. É também desumano perceber que o modelo de reforma agrária não garante que os/as assentados/as vivam da terra, pois não lhes dá condições de produzir na terra que agora é sua.

Apesar de ter sofrido uma grande decepção com a desorganização do assentamento, foi sem dúvidas uma grande experiência que provocou reflexões internas profundas.


Paula Vielmo

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