O tempo passou tão depressa que não tenho lembrança desde quando tenho vontade de participar de um Estágio Interdisciplinar de Vivência, mas sei que fazia muito tempo.
Partir para o EIVI, foi antes de qualquer coisa a realização de um sonho, um conjunto de expectativas em torno da organização e funcionamento do MST e o desafio de desligar-me das/oas companheiras/os de luta e ir sozinha para um espaço desconhecido, com pessoas também desconhecidas.
Partimos (73 pessoas) de Salvador em direção a Santo Amaro da Purificação no dia 09 de janeiro de 2010 em direção à Escola Municipal Edvaldo Machado Boaventura onde houve a capacitação para o estágio.

Não posso deixar de citar a diversidade de pessoas incríveis, inteligentes, estudiosas e militantes que estavam por lá, as quais tive grande prazer em conhecer e conviver por alguns dias, mesmo estando num momento de introspecção e sendo por lá irreconhecivermente a Paula que as pessoas por aqui conhecem: comunicativa, articuladora...
Destaco na capacitação as intervenções organizadas pelas feministas, como cartazes, mística e pintura de camisetas. "São flores, são armas, mulheres em ação, unidas na luta pela revolução". Outro destaque foi o super animado e cheio de POSITIVIDADES, Hugo, figura indescritível
VIVÊNCIA NO ASSENTAMENTO
A casa que me adotou tinha 5 pessoas (mãe, padrasto, dois meninos e uma menina), comigo éramos seis. Era uma casa pequena, de adoubo, com plantação de aipim, banana, tomate...e algumas galinhas. Tinha também uma cachorra chamada Serena, cuja história de sofrimento é tão cruel quanto a das pessoas que viviam por lá, de abandono e maus tratos.
A rotina durante as férias conforme soube foi alterada: dormiamos um pouco mais tarde (+/- 11 horas) e levantávamos também mais tarde (+/- 6h30). O lema posto pela matriarca era: trabalhar pela manhã e descansar/ brincar/ se divertir a tarde. Assim, de manhã os homens mais velhos buscavam "água para gasto", ou seja, para uso no que fosse preciso (do rio) e para beber (da fonte) e as mulheres e menino mais novo limpavam a casa, lavavam a louça,
No almoço, a mãe servia os pratos de todos da casa, dividindo o alimento cuidadosamente preparado. Não havia variedade de cardápio, mas o bom e presente alimento que sustenta: arroz, feijão, farinha e carne de sertão, e as vezes macarrão e salada. Sempre tinha café preto, para tomar no café, almoço, à tarde. Quero destacar a divisão de tudo que entrava na casa. Pouco ou muito, era dividido igualmente entre todos os/as moradores/as.
Na vivência com a família tive muita, mas muita sorte. A minha família Sem Terra foi maravilhosa! Receberam-me com carinho e após o primeiro dia já me sentia totalmente à vontade e estava enturmada. Conquistar o irmão de 16 anos foi mais difícil, mas nada que uma atenção aos jogos não resolvesse. Jogos, aliás, estavam muito presentes: dama, trilha (que ensinei-os a jogar), dominó. Eram excelentes em raciocínio e as jogadas eram altamente pensadas, principalmente por parte do padrasto, homem inteligente e paciente. Os banhos de rio também eram constantes, inclusive minhas costas ficaram vermelha de tanto abusar nos primeiros dias. A mãe educa as crianças com diálogo e limites, o que resulta na boa educação que presenciei.
No segundo dia houve a troca do telhado de metade da casa (que era coberto por lona) , momento esperado pela família e que tive a honra de participar. No terceiro dia de vivência chegou "tia Luzia" (irmã da mãe do assentamento) com os três filhos e dois sobrinhos, o que fez com que ficassemos em 12 pessoas na casa, o que tornou a casa e a rotina bem mais agitada, porém divertida. A crinçada era ótima e muito animada!
Ainda com a família que me adotou, fizemos um passeio ao assentamento vizinho onde mora o companheiro da "minha mãe" (do assentamento). Nas Pedrinhas, assentamento de 12 anos, as coisas são mais avançadas: energia elétrica, plantações e criação de gado, casa de bloco/ tijolo. Ao chegar lá, correria das crianças até o que não dispunhamos no assentamento Santa Maria: água gelada por parte das da cidade e televisão por parte das do campo. Após o almoço fomos até a lagoa do assentamento e na bica. Muitas paisagens bonitas. Retornamos tarde da noite, após a novela, caminhando na escuridão por 01 hora. A sensação de caminhar no escuro é muito ruim, pois não tem-se segurança de onde pisar, já que a única iluminação era da lua e das estrelas. Nesse dia, devido a programação da família, perdi a programação no assentamento: oficina com as crianças (que eu iria coordenar com outros dois camaradas) e com os adultos. Fiquei triste por não ter participado da oficina com as crianças, pois criei grande expectativa em torno dessa atividade.
Antes do mutirão, fomos no mato buscar algumas madeiras para a reforma, o que necessitou de levantar cedo e percorrer um longo caminho, com pequenas ladeiras na subida e descida. Foi uma caminhada cansativa, e após termos 16 madeiras para serem carregadas na volta, por 12 pessoas, um retorno de sofrimento. Pensei que não iria aguentar e aos poucos as dores físicas foram aumentando e eu me distanciando do grupo. E de repente, estava perdida no meio do mato! Segui adiante e achei um caminho, mas estava furiosa com o fato de ter sido deixada pelas demais pessoas, e nesse momento, veio-me a mente os/as compas queridos/as que jamais deixariam qualquer companheiro/a para trás.
AVALIAÇÃO
Nesse retorno para avaliação, houve também a apresentação dos projetos permanentes desenvolvidos nos assentamentos ou para serem desenvolvidos. Escolhi o grupo que discutiu sobre Educação Popular com a Professora Nair Casagrande, que ministra uma disciplina optativa com essa temática e contribui com o trabalho desenvolvido pelo NEPPA (Núcleo de Estudos em Práticas e Políticas Agrárias).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A luta pela reforma agrária é visivelmente necessária para um país justo, pois é inadmissível que a concentração de terras aumente ano após ano no Brasil e que o modelo de reforma agrária seja de minifundios ao invés de perceber e garantir a terra como um bem social que deve ser socializada e produzida coletivamente. É também desumano perceber que o modelo de reforma agrária não garante que os/as assentados/as vivam da terra, pois não lhes dá condições de produzir na terra que agora é sua.
Apesar de ter sofrido uma grande decepção com a desorganização do assentamento, foi sem dúvidas uma grande experiência que provocou reflexões internas profundas.
Paula Vielmo
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