quarta-feira, 19 de junho de 2013

O MITO DO "GIGANTE ADORMECIDO


Por Flávio Dantas Martins
Professor de História/ ICADS-UFBA

Seguem umas reflexões que fiz sobre essa "onda" que tomou o Brasil. Sei que a rede social não é tribuna de imprensa, mas ainda não aprendi a pensar em 140 caracteres.

NÃO FOI A CONSCIÊNCIA POLÍTICA QUE LEVOU OS MANIFESTANTES ÀS RUAS, AS RUAS É QUE LEVARÃO A UMA NOVA CONSCIÊNCIA POLÍTICA
Foto: Arquivo pessoal
É necessário um enfrentamento dos setores populares, progressistas, socialistas contra as tendências fascistas e conservadoras que estão em processo de formação no Brasil e que tem ocupado espaços cada vez maiores na sociedade brasileira. Lembrar que, por definição, a extrema direita é mobilizadora e participa de ações de massa. Eric Hobsbawm definia os fascistas como os "revolucionários da contrarrevolução". A espontaneidade e a organização improvisada que orientam os protestos de massa não podem deixar que prevaleçam tendências supostamente apartidárias e é preciso mesmo que todos definam qual suas ideias, visões de mundo e seu partido (que não precisa necessariamente ser eleitoral). É preciso que haja a unificação da pauta e que o passe livre se conjugue com a luta contra a PEC 37, que o combate à corrupção seja materializado em propostas de luta contra os megaprojetos estilo supereventos, usinas de Jirau e Belo Monte, transposição do São Francisco e outros projetos faraônicos e que as lutas rurais dos indígenas, camponeses e trabalhadores rurais cheguem às cidades. No dia em que essas ações de massa entrarem em refluxo, haverá algo importantíssimo na disputa que é o sentido das mesmas. Elas formarão uma geração mais progressista, republicana, simpática ou mesmo orgânica em relação às lutas populares, sindicais e camponesas ou deixará na boca desse povo um gosto do reacionarismo de falso "antipartido"?

A VERDADEIRA CONTRADIÇÃO NÃO É ENTRE POLÍCIA E MANIFESTANTES. A mídia dos patrões apresenta as manifestações como conflitos de rua entre duas torcidas: uma jovem, idealista, ingênua e dada a atos de vandalismo e outra fardada, armada e truculenta. As confraternizações entre militares e manifestantes são ocultas e o verdadeiro adversário dos pontos de pauta discerníveis - passe livre, campanha salarial da educação e rejeição aos megaeventos - não vão às ruas se confrontar com os militantes. O papel da força militar num conflito desse tipo em uma sociedade democrática é o de garantir a segurança dos que realizam seu direito constitucional de manifestação política e de garantir o trânsito que não é composto somente de veículos e que, legalmente, deve privilegiar os pedestres. Os inimigos da pauta que está posta é o empresariado do transporte "público", os grandes favorecidos pelos lucros produzidos pelos megaeventos, o agronegócio e a roda financeira que está indiretamente ligada aos megaeventos, hidrelétricas, em resumo, uma série de setores do patronato e seus representantes na sociedade política. É desnecessário entrar em maiores detalhes e explicar como o aumento da tarifa de transporte coletivo e o uso de recursos públicos angariados dos impostos - em um país que tributa o consumo e não a renda - é uma forma de exploração de mais-valor relativo, para concluir que há, em torno do conflito que levou ao estopim das primeiras grandes manifestações, uma contradição entre capital e trabalho. Naturalmente, estamos longe de ter duas conclusões ideológicas que emergem mecanicamente do conflito. A luta simbólica em torno da representação das manifestações é fundamental para sustentar e dirigir a luta de rua, a "votação com os pés".

DERRUBAR O MITO DO "GIGANTE ADORMECIDO". O Brasil nasce sob o signo da guerra: guerras justas entre colonos e índios, rebeliões e fugas de africanos, Palmares, as guerras anticoloniais que garantiram a independência, as guerras camponesas de Contestado e Canudos, a revolta da Chibata, as lutas pela alternativa camponesa, as lutas pela reforma agrária, o petróleo é nosso, as lutas trabalhistas. Mais recentemente, temos as lutas em torno da moradia, do passe livre e os conflitos envolvendo o latifúndio contra indígenas e povos tradicionais. Elas expressam o caráter bélico da sociedade brasileira. O mito do "gigante adormecido" só interessa a fins de apropriação integralista das manifestações. Além, é claro, de impossibilitar a visualização da necessidade de unificação em torno das lutas. Os despejos que acontecem nos arredores da Fonte Nova, do Maracanã, da Transposição, das usinas de Belo Monte e outras menores, tudo está interligado. São expressões distintas de um mesmo projeto desenvolvimentista que compra amplos setores populares confundindo direito à educação com profissionalização precarizada, consumo com extensão de direitos e apatia pró-governista com consciência política de esquerda. E os que lutam por uma cidade acessível e pública - não é este o sentido da revolta dos vinte centavos? - lutam contra os mesmos inimigos dos índios do Xingu e dos Guarani Kaiowá. O "gigante adormecido" reforça o mito do "povo bestializado", com o agravante de tomar emprestado um lema de propagando de uísque caro. Esse "chavão" não sintetiza a contradição que levou milhares às ruas e é preciso negá-lo e conectar o sentido dessas lutas com o patrimônio imaterial das lutas populares no Brasil. O lema bem mais original e belo "verás que um filho teu não foge à luta" convida à ação, ao nacionalismo e não ofende perguntar: lutar contra quem? lutar pelo quê? Há projetos alternativos de nação? Não é difícil coroar o fascismo católico-neopentecostal do Estatuto do Nasciturno, da Cura Gay e do Bolsa Estupro com um diadema verde-amarelo do velho integralismo que simpatizava e se inspirava no nazismo. É preferível o nacionalismo que rejeite a espoliação da FIFA dos cofres públicos e que pense em uma sociedade mais justa, plural e democrática.

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