sábado, 13 de junho de 2015

Por um Plano Municipal de Educação com Igualdade de Gênero

Por Paula Vielmo

Recebi nesta sexta-feira, 12 de junho, um vídeo (clique aqui para assistir) em que o vereador Gilson Rodrigues (ex-PMDB, atual PROS, 1º Secretário da Câmara e relator da Comissão de Saúde, Planejamento Familiar e Assistência Social, que aliás, precisa ser atuante! e pasmem, estudante de Psicologia - será que ele quer ser o Malafaia da Barreiras?) convoca a sociedade barreirense, pela primeira vez em mais de três anos de mandato, para que pressione os vereadores em relação a um Projeto de Lei sobre o Plano Municipal de Educação, que vigorará pelos próximos 10 anos. Poderia parecer interessante e relevante, não fosse o conteúdo absurdamente distorcido do vídeo.

Inicialmente, o vereador Gilson demonstra pouco saber sobre a Educação além do que prega o senso comum. Aliás, não há tema em que as pessoas mais gostem de dar “pitaco” do que a educação. Também demonstra saber bem pouco sobre gênero, uma área de estudos extremamente ampla e que não deve ficar restrita ao senso comum do vereador. Convido a realmente refletirmos sobre essas questões, retirando os pré-conceitos.



O vereador, desconhecedor das normativas do Ministério da Educação, proclama sobre a ameaça do que ele chamou de "ideologia de gênero", definido como:

"fazer com que a escola, com que os professores, com que todas as pessoas que estão na área da educação ensinem para as nossas crianças que elas não nasceram nem homem e nem mulher. que elas não são nem menino e nem menina”

Vamos "refletir", como insiste o vereador na abertura do vídeo, sobre gênero, trazendo quem sabe do assunto. As reconhecidas Professoras Doutoras da UFBA nos ajudarão definindo gênero como:

"processos de construção cultural de relações que não decorrem de características sexuais diferenciadas entre homens e mulheres, mas de processos construtores dessas diferenças, produzindo, nesse movimento, desigualdades e hierarquias" (Sardenberg e Macedo). 

Ou seja, a construção do que é ser homem e do que é ser mulher é SIM uma construção social, haja vista que ela se transforma ao longo do tempo e momento histórico. Para a filósofa francesa Simone de Beauvoir, não se nasce mulher, torna-se. Podemos afirmar que também não se nasce homem, torna-se. Aliás, nos tornamos tudo e qualquer coisa ao longo da vida a partir das nossas interações sociais, sobretudo em duas importantes instituições: inicialmente na família e logo em seguida na escola.

Esclarecida a desinformação (ou seria má fé?) do vereador Gilson, vamos refletir que o vereador também desconhece sobre os altos índices de violências contra a mulher no Brasil, incluindo a violência doméstica. Não sabe ele que o estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelou a tragédia do machismo no Brasil, provocada principalmente por marido, namorado ou familiares. 

O estudo estima que a média é de 472 assassinatos de mulheres por mês. E sabe o vereador que a Bahia, nosso estado, é o segundo que mais mata mulheres no Brasil? Conhece ele os registros da Delegacia de Atendimento a Mulher de Barreiras? Desconhece o vereador que dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam para uma situação mais sombria se for levado em consideração o número de mulheres vítimas de violência em geral. Cerca de 70% das mulheres do mundo sofrem algum tipo de violência no decorrer de sua vida, diz a organização. Em todo o mundo, uma em cada cinco mulheres será vítima de estupro ou tentativa de estupro, calcula a ONU.

Relevante lembrar que as desigualdades e hierarquias de gênero atingem também a sexualidade das pessoas, violentando quem possui uma orientação sexual que não seja heteronormativa (sistema que obriga a ser e/ou parecer heterossexual). Nesse aspecto, o Brasil lidera o ranking mundial de assassinatos homofóbicos, estando a Bahia em 6ª posição nacionalmente. Não podemos ignorar essa realidade! A escola, instituição tão fundamental, não poe ignorar esta realidade. Não trazer o debate sobre o respeito para com o outro, partindo de crenças e valores pessoais, é descumprir a missão de educar numa perspectiva libertadora. 

O Ministério da Educação já possui materiais e diretrizes para combater as discriminações de gênero, que resultam em violências e a escola é uma instituição fundamental para contribuir nesse sentido, haja vista que a nossa educação brasileira e barreirense é fortemente sexista, ou seja, possui como cultura hegemonicamente masculina, branca e heterossexual sendo necessário trazer as discussões sobre a desigualdade e opressões e permitir que outras experiências sejam contempladas. É preciso que as meninas e meninos, desde pequenas/os tenham referencias positivas e não de submissão e a escola tem um papel determinante nessa transformação. É preciso que as pessoas homoafetivas não fiquem com medo de manifestar o seu amor. É preciso que o Brasil deixe de liderar também o ranking de assassinatos de travestis e transexuais. A educação escolar não pode se furtar desse debate!

Ademais, cabe lembrar, sobretudo à nós, trabalhadoras da educação, que o magistério é predominantemente feminino, e uma profissão desvalorizada. Qual a relação com as desigualdades e hierarquias de gênero? O magistério é desvalorizado como profissão porque é exercido por mulheres, ou é exercido por mulheres porque é desvalorizado?

Como cenário para toda essa questão o vereador Gilson alega: “Isso é querer destruir as famílias. Isso é querer deformar a vida das crianças. Isso é querer destruir a célula da sociedade: as famílias".

Pensemos na família como agrupamento não no modelo tradicional (mãe-pai-filho-filha). Tem família com avós, com tias ou tios. Apenas com mãe ou apenas com pai. Tem família em orfanato. Ademais, qual a relação entre compreender que as desigualdades e hierarquias sociais são de gênero e o fim da família? Usa o vereador de má fé para convencer as pessoas para aderir ao seu pedido? Não satisfeito, ele finaliza: "a ideologia de gênero vem para querer destruir a sociedade".

Destruir a sociedade é compactuar com as desigualdades e hierarquias de gênero! Assim, convoco para que o Plano Municipal de Educação seja norteado pela Pedagogia Feminista, entendida como “o conjunto de princípios e práticas que objetivam conscientizar indivíduos, tanto homens quanto mulheres, da ordem patriarcal vigente em nossa sociedade, dando-lhes instrumentos para superá-la e, assim, atuarem de modo que construam a equidade entre os sexos”. (Cecília Sardenberg).

Por fim, chamo para a reflexão: estamos muito mal representadas/os por este tipo de vereador! Além de desinformado, ele se orgulha em conclamar a sociedade barreirense para manter as desigualdades e hierarquias. Ele não é nosso aliado. E se não é nosso aliado, deverá ser combatido, a começar por desconstruir suas falácias.