quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Consciência Negra Quilombola



Por Shirley Pimentel de Souza¹
(texto e fotos)


Nos dias 17 e 18 de novembro, pelo nono ano consecutivo, os quilombos do Território Velho Chico no estado da Bahia realizam a comemoração ao Dia Nacional da Consciência Negra reunindo-se em uma das comunidades para celebrar suas conquistas e renovar as forças para as lutas que são constantes. Este ano quem sediou a festa foi o quilombo Barra do Parateca, situado no município de Carinhanha, dando show em organização, união e receptividade. O evento contou com a participação de lideranças quilombolas da região e do estado, bem como lideranças políticas que contribuem com a luta dos quilombos como o deputado federal Luiz Alberto e o vice-prefeito de Serra do Ramalho Bartolomeu Guedes, além da prefeita de Carinhanha e de alguns vereadores das comunidades de todo o território. Neste ano de 2012 o evento contou ainda com integração das atividades da IV Semana da Consciência Negra da UNEB/DCHT campus XVII que realizou durante a semana várias mesas-redondas, comunicações e apresentações artísticas com foco nas relações étnico-raciais, bem como resultados de pesquisas realizadas nos quilombos da região pelo Grupo de Pesquisa Cultura, Sociedade e Linguagem do campus VI da UNEB/Caetité que compôs a organização do evento. No dia 16 foi realizada ainda a inauguração da Casa da Memória do quilombo Araçá/Cariacá que tem como objetivo dar acesso ao público a elementos que marcam e contam a história da comunidade como objetos antigos, fotos, estudos realizados, instrumentos de trabalho cotidiano, entre outros.

Todas estas atividades foram de fundamental importância para fortalecer o evento que a cada ano recebe novos visitantes, agrega atividades, mas sem perder de vista que o espaço de destaque é para as trocas de experiências das luta das comunidades quilombolas e para as suas manifestações artístico-culturais que abrilhantaram os dois dias do evento no quilombo. O samba da umbigada do quilombo Rio das Rãs, a Folia de Reis dos quilombos Lagoa das Piranhas e Jatobá, a Banda Bico do quilombo Parateca/Paud’arco, o Maculelê e a Capoeira dos quilombos da Barra do Parateca e Araçá/Cariacá, sambas, coreografias, músicas e poesias de várias comunidades, bem como representações religiosas como a realizada pelo terreiro de Umbanda Cosme e Damião, foram algumas das expressões de destaque na festa. Estas manifestações evidenciam em seus formatos, estética, rituais e composições a relação direta com a ancestralidade africana, sendo ainda um instrumento de transmissão dos valores, da tradição, da história e da cultura das comunidades.

As falas das lideranças quilombolas no “20 de novembro” dos quilombos, como é conhecida a festa na região, chamou a atenção para a urgência de uma política de reparação social mais eficiente para estes grupos étnicos que sofreram e vem sofrendo a negligência do Estado brasileiro no que se refere à população negra e quilombola, a exemplo do quilombo Rio dos Macacos sobre o qual o pesquisador Clíssio apresentou a situação atual de conflito com a Marinha do Brasil.

 A alegria dos/as quilombolas ficou evidente em todos os momentos, pois se trata da alegria com compromisso político de quem sabe seus direitos e luta por eles, mas que não perde o encantamento pela vida, não perde a sua memória social e suas tradições.



¹ militante do Movimento Negro Quilombola, pedagoga do IFBA/ Campus de Barreiras e mestranda em Educação pela UFBA

domingo, 18 de novembro de 2012

Racismo: considerações relevantes


PALESTRA PROFERIDA SOBRE RACISMO, NO DIA 15/11/2012 DURANTE A SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA (CORRENTINA-BA)

Por Paulo Oisiovici¹


O QUE É RACISMO?
É uma ideologia baseada na crença da superioridade de uma cultura ou de um grupo étnico sobre outro, justificando atitudes individuais e/ou coletivas, veladas ou explícitas, de preconceito, discriminação, intolerância, ridicularização, inferiorização, omissão, rejeição e silêncio, de indivíduos ou grupos de uma etnia em relação a outros de etnias diferentes, e até mesmo do Estado por meio de suas instituições em relação a um determinado grupo étnico. 

A IMPROCEDÊNCIA CIENTÍFICA DO USO DO TERMO “RAÇA” PARA DESIGNAR GRUPOS HUMANOS COM DIFERENÇAS EM RELAÇÃO AOS DEMAIS
A espécie humana surgiu na África há cerca de 6 milhões de anos. Com as mudanças climáticas e o aumento populacional, grupos humanos se deslocaram pelo planeta povoando outros territórios, sofrendo alterações genéticas em função das diferentes condições impostas pelos diversos ambientes, não tão significativas a ponto de originarem diferentes raças, como no caso de outras espécies animais. O termo “raça” é usado para designar grupos com diferenças grandes em relação aos demais indivíduos de uma mesma espécie.

AS ORIGENS DO RACISMO
Com o surgimento, desenvolvimento da agricultura e da consequente produção de excedentes, surgem a divisão social do trabalho, a propriedade privada, as classes sociais e o Estado. Algumas civilizações atingiram diferentes graus de desenvolvimento material e técnico, o que, nas disputas por territórios e recursos naturais, lhes permitiu dominar, explorar e escravizar outras, impondo-lhes sua cultura.

Até o século VIII da nossa era, os povos árabes (muçulmanos) que foram os primeiros a comercializar com os povos africanos, estabeleceram com eles uma relação de igualdade enquanto o comércio se dava baseado na troca. A partir do século XV, as nações europeias possuidoras de armas de fogo, com um Estado centralizado e de uma burguesia rica e desejosa de expandir seu comércio, desenvolveram embarcações capazes de viagens intercontinentais que lhes permitiram chegar a África, Ásia , América e Oceania e travar contato com povos e culturas diferentes. Na África, os europeus comercializavam com os chefes tribais trocando produtos como armas e fumo , por membros de outras tribos, escravos de guerra. O tráfico de escravos negros africanos tornou-se o negócio mais lucrativo do mundo com mercado criado pela demanda de mão-de-obra nas lavouras de cana-de-açúcar, café e no extrativismo mineral nas colônias. 

Para justificar aos católicos horrorizados, o tráfico de escravos e as condições subumanas a que os negros africanos eram submetidos durante as viagens, no trabalho nas colônias e nas feiras, o papa Nicolau V editou a bula ROMANUS PONTIFLEX: 

“isso nós, tudo pensando com devida ponderação, por outras cartas nossas concedemos ao dito rei Afonso a plena e livre faculdade, dentre outras, de invadir, conquistar e subjugar quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos de Cristo, suas terras e bens, a todos reduzir à servidão e tudo aplicar em utilidade própria e dos seus descendentes”. 

Essa permissão toda fundamentada na narrativa bíblica, segundo a qual os povos pagãos (entre esses os africanos) são descendentes de Cã, filho de Noé, que por ter visto a nudez do pai teve todos os seus descendentes condenados à escravidão por outros povos. Em troca dessa justificação através da bula papal ROMANUS PONTIFLEX, a Igreja Católica passou a receber 1/3 de todos os lucros obtidos do tráfico de escravos negros africanos. Estima-se que durante a colonização portuguesa desembarcaram no Brasil cerca de 6 a 8 milhões de negros africanos. 

Após a abolição, jogado à própria sorte, sem condição de acesso à propriedade da terra, sem direito à escolarização, sem o amparo de nenhuma legislação ou política pública que lhe garantisse a inclusão no processo produtivo; o negro foi, e é até hoje, obrigado a disputar sua sobrevivência material e cultural, numa sociedade em que os critérios de seleção profissional, cultural, político e étnico garantem sua condição de mais oprimido, explorado e subalternizado.

“os problemas de raça e classe se imbricam nesse processo de competição do Negro pois o interesse das classes dominantes é vê-lo marginalizado para baixar os salários dos trabalhadores no seu conjunto” (Moura, Clóvis. Dialética Racial do Brasil Negro . São Paulo: Editora Anita, 2004, pág. 200)

Sendo a democracia, o acesso de todos a toda a produção material e cultural sociedade, a propalada “democracia racial” brasileira se constitui num mito. O fato dos negros constituírem a maioria da população, torna isso mais flagrante e grave.

De acordo com os dados do Censo do IBGE de 2010, os negros são 96,7 milhões de brasileiros, o que equivale a 50,7% da população. Ainda segundo o mesmo censo, brancos ganham o dobro que negros. Essa realidade ainda é mais acentuada na região Sudeste, onde os rendimentos recebidos pelos brancos correspondem ao dobro dos pagos aos negros. A menor diferença é observada na região Sul, onde a população branca ganha 70% mais que a negra. Enquanto para toda a população a taxa de analfabetismo é de 9,6% para os brancos essa taxa cai para 5,9%. Já entre pardos e negros a taxa sobe para 13% e 14,4%, respectivamente. O censo de 2010 mostra que os brancos também dominam o ensino superior no país. Na faixa etária entre 15 e 24 anos, 31,1% da população branca frequentava a universidade. Em relação aos pardos e negros são de 13,4% e 12,8%respectivamente. Isso demonstra que mesmo com a adoção e implementação de ações afirmativas que compõem as políticas públicas adotadas pelo governo federal nos últimos 10 anos, o país ainda está muito longe de constituir-se numa efetiva democracia racial, pois o problema é estrutural e demanda uma ruptura com o sistema econômico. 

O RACISMO É CRIME!
O racismo é tipificado pela Constituição Federal como crime inafiançável e imprescritível. Qualquer vítima de racismo pode e deve procurar uma delegacia de polícia para a formulação e registro de queixa contra o autor.

A Lei nº 7.716 de 5 de janeiro de 1989 que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, regulamentando o que dispões a Constituição Federal:

Art. 1º - Serão punidos na forma desta Lei os crimes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Art. 3º - Impedir ou obstar acesso de alguém devidamente habilitado a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta bem como das concessionárias de serviços públicos. Pena: reclusão de 2 a 5 anos.

Art. 20 – Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de 1 a 3 anos e multa.

§ 1º - Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de 2 a 5 anos e multa.

A lei 11. 645/08 modifica a Lei 10.639/03, instituindo a obrigatoriedade do ensino dos conteúdos de História da África, cultura afro-brasileira e indígena para todos os estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados do país. Os referidos conteúdos deverão ser ensinados em todas as disciplinas, principalmente nas de História, Língua Portuguesa e Artes.

¹ Professor de História e Filosofia da Rede Municipal e Estadual do município de Correntina-Bahia


AGRADEÇO A CONTRIBUIÇÃO DO CAMARADA PAULO, ENVIADA PARA POSTAGEM NESTE ESPAÇO.

8ª Semana da Consciência Negra de Barreiras - 20 a 25/11/2012


Acontece de 20 a 25 de novembro de 2012, a oitava edição da Semana da Consciência Negra de Barreiras. Esse ano, ela vem unificada, com organização fortalecida a partir da integração do IFBA/ Campus de Barreiras e de uma galera engajada ou "animada", como adotamos a partir de fala do Prof. Edson Carvalho (UNEB), propulsor da ideia em Barreiras.

Eu sou uma colaboradora e entusiasta desse evento desde o período em que estudava na UNEB e após ter saído. Agora retorno como membro organizador pelo IFBA. Conectando lutas necessárias...

As inscrições gratuitas podem ser realizadas até o dia 20/11 pelo site www.seconba.ufba.br

Quem não se inscrever pode e deve participar das mesas redondas, palestras e exposição no Centro Cultural, além dos tradicionais "Desfile de beleza negra e Feira de arte e cultura negra". As inscrições limitadas são para as oficinas. Entre no site e confira a programação!

Para combater o RACISMO, é preciso discutir! 


VENHA DEBATER CONOSCO! PARTICIPE!

domingo, 11 de novembro de 2012

Um ato nacional com uma dúzia: viva o povo Guarani-Kaiowá

Por Paula Vielmo


VOCÊ SABE O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM OS GUARANI-KAIOWÁ?

Na última sexta-feira, 09 de novembro, no final da tarde, um pequeno e aguerrido grupo realizou em Barreiras um ato em apoio à luta dos Guarani-Kaiowá pela demarcação de suas terras, em Navirai-MS. O dia 09 de novembro foi marcado e demarcado por manifestações pelo país, para apoiar a causa dos Guarani-Kaiowá. 

Apesar de os Guarani-Kaiowá estarem morando a quase um ano em parte de uma fazenda, com inúmeros conflitos com os fazendeiros e a justiça, somente após o lançamento de uma carta em que afirmavam que não sairiam de suas terras, local de morada ancestral, que o caso ganhou visibilidade. Eles e elas afirmaram que resistiriam até a morte e isso foi interpretado como um "suicídio coletivo" e ganhou adeptas/os por todo país e até fora do Brasil. 

Mesmo não se tratando de um suicídio coletivo, a prática do suicídio existe entre os Guarani-Kaiowá, principalmente pela situação degradante em que vivem, de violência, afastamento das terras tradicionais e vida em acampamentos às margens de estradas. Sem dignidade, eles/as optam por não viver em tais condições que ferem seu modo de vida.

Após a grande repercussão, incluindo uma petição online com mais de 300 mil assinaturas, no final de outubro o governo federal concedeu liminar para os indígenas. Foi a ação para "acalmar" os ânimos sobre o massacre que ocorre a mais de 500 anos nestas terras tupiniquins. No entanto, ainda falta a demarcação das terras, e mais do que isso, é preciso ter consciência de que o massacre é cotidiano

Nos últimos nove anos, 503 índios foram assassinados no Brasil, uma média de 55 por ano. Em 2011, os estados que registraram maior número de homicídios foram Mato Grosso do Sul, Bahia e Pernambuco. No ano passado (2011), 42 reservas foram invadidas em diferentes regiões do país. 

Não podemos esquecer dos estupros praticados contra as indígenas, incluindo registro de estupro de uma Guarani-Kaiowá recentemente ou ainda dos casos de exploração sexual e abuso sexual de crianças e jovens indígenas. As mulheres indígenas são violentadas como os homens de seu povo e ainda por serem mulheres!


O ATO EM BARREIRAS

O ato que aconteceu em Barreiras necessita não apenas de um relato, mas de uma séria reflexão, a partir da nossa vivência de luta e também da posição das pessoas, de apoio ou de chacota em relação ao constante movimentar.

Uma articulação rápida via facebook e entre as pessoas que "protestam" em Barreiras resultou no ato. Ao contrário dos anteriores, este realmente não teve ampla divulgação, mas assim como os demais, contou com "as mesmas caras de sempre", exceto alguns que se juntaram ao movimento durante a atividade.

Na Praça Castro Alves e entorno, pintamos cartazes, pintamos o rosto e alguns pintaram os braços, entoamos gritos, panfletamos, caminhamos, enfrentamos o trânsito, recebemos inúmeras buzinas de apoio, 390 panfletos, 5 cartazes e  DOZE PESSOAS!

Apesar da pouca divulgação dessa vez - uma falha necessária de ser reconhecida, mesmo diante do afã de querer participar do circuito nacional do ato de apoio aos Guarani-Kaiowá -, não tivemos crescimento em termos de participantes. Somos sempre as/os mesmas/os e isso não é motivo de alegria.

Ao final do ato, fomos lanchar, e nos deparamos com indagações sobre sempre sermos nós a protestar em Barreiras. Sempre as/os mesmos! Infelizmente, acaba sendo uma triste verdade, haja vista que existe insatisfação, existe raramente alguma mobilização, mas não existe constância. Quem faz esse cotidiano de luta é MEIA DÚZIA!


Queríamos ser uma multidão, cujas faces sequer fossem reconhecidas. Queríamos ser vozes de uma multidão - e não de poucas/os - contra toda e qualquer injustiça, mas não somos AINDA. Somos meia dúzia, somos uma dúzia, mas o fato é que estamos firmes, fortes, resistentes e persistentes na luta. E enquanto houver opressão e injustiça, precisamos lutar e estaremos lá!

ATÉ A VITÓRIA!